algumas coisas

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Um avô tira fotos de casas. Casas em paisagens rurais. Casas entre montanhas nevadas. Casas simples, casas suntuosas. Quando fotografa pessoas, elas pertencem nitidamente a um lugar. Um espaço exterior ou interior as contém: o de uma casa. O tempo dessas imagens é o da transição espectral entre um slide que se desvanece e outro que se projeta.

Uma menina desenha casas. A pasta escolar revela essa obsessão. O traço flutuante que condensa o gesto da infância envolve um enigma: de uma casa germina outra. Nunca é uma casa só. Nunca uma é igual à outra, mesmo que se multipliquem espelhadas. O tempo dessas imagens é o do intervalo. Entre uma página colorida e a seguinte, uma mulher encontra uma certeza: sempre teve duas casas.

Várias pessoas respondem a um chamado. O convite é para tirar do âmbito privado objetos de suas casas e mostrá-los — por serem queridos, por persistirem, pelos motivos infinitos que se aninham nas coisas.

Paul Auster escreveu que a memória é o espaço onde as coisas acontecem pela segunda vez. Mas a arte sabe que esse acontecimento é singular – não mera repetição –, porque o tempo da memória, como diz Elizabeth Jelin, "não está no passado, mas nas elaborações do presente".

Algumas coisas, através de técnicas gráficas e visuais, trabalham memórias que partem de arquivos afetivos e pessoais em direção ao espaço do comum. Libertar as imagens de seu destino espectral é a tarefa.